quinta-feira, 7 de maio de 2020

domingo, 3 de maio de 2020

O maravilhoso mundo de doxa

Pra quem você empresta seus ouvidos? Você analisa criticamente o que entra por eles? Que mecanismos você utiliza para que sua opinião seja formada de uma maneira consistente?

Uma questão de grande utilidade prática que o estudo da filosofia nos trás, diz respeito às distinções e interações entre doxa, dogma e episteme.

Grosso modo, episteme diz respeito ao conhecimento da verdade, ao conhecimento metodologicamente construído. Episteme diz respeito à ciência.

dogma se refere ao conhecimento da verdade através da fé, da crença. Tem a ver com aceitar, não questionar. Dogma reina no campo teológico, mas tb em outros como a política, por exemplo.

Assim, formando um tripé, temos a famigerada doxa. Aliás, tenho revisto minha opinião sobre ela, por mais paradoxal que seja ter uma opinião sobre a opinião - ops, dei spoiler... Mas enfim, se vc percebeu o detalhe, não encare esse texto como um artigo, ou algo baseado em pesquisas acadêmicas. Aqui apresento minha opinião, meu achar, meu entender. No meu caso, essa opinião está baseada em livros, vídeo-aulas e conversas com gente que já estudou mais ou menos do que eu - ops, spoiler de novo!


Vamos lá, nos livros em que estudei li algumas vezes que o pensamento filosófico nasce na Grécia antiga num contraponto a ela, a doxa. Doxa que pode ser entendida como sinônimo de opinião. Quando na Grécia o mundo se encontrava para fazer negócios e os mercadores conversavam a respeito das coisas do mundo, era natural haver divergência, por exemplo nas explicações para a ocorrência de um raio. Um nórdico diria que era obra de Thor e um oriental diria que sua causa era outra.

Então aí aparece Tales e a humanidade começa a buscar no mundo natural as explicações das coisas do mundo natural - por mais estranhas que elas fossem, quando olhamos no retrovisor da história. Um raio, a chuva, as estações do ano e tudo que acontece teria que ter uma explicação no âmbito do próprio mundo das coisas e não do mundo das crenças.

Aí entra uma questão (e eu preciso conversar com alguém mais sabido a respeito, até mesmo para confirmar esse entendimento). O problema não era simplesmente se contrapor a doxa. O negócio seria estabelecer uma contribuição a doxa, até então fortemente apoiada em dogma. Há 2.600 anos atrás, episteme ainda estava nascendo e o pensamento dogmático influenciava fortemente as opiniões mundo afora.

AGORA PULA
Voltemos ao hoje, nesse mundo onde a ciência se desenvolveu e continua a se desenvolver, mas ainda convive com relativa harmonia com o pensamento dogmático-religioso.

Em nossas interações reais ou virtuais é comum menosprezarmos as considerações de nossos interlocutores taxando-as de mera "opinião". Obviamente, em um mundo com tanto saber acumulado na forma de ciência, as opiniões valem tanto quanto uma nota de 101 reais. Mas, ainda assim, elas, as opiniões, tem uma grande importância em nossa vida cotidiana.

Quando vamos escolher o pão mais adequado para nossa dieta, quando vamos escolher um carro ou até mesmo quando vamos escolher nossos governantes, não tem jeito, via de regra é ela que entra em jogo: doxa.

E qual é o problema disso? A rigor nenhum, mas temos que tomar cuidado com as armadilhas de dogma, que ainda faz muito barulho - aliás, ultimamente tem feito mais barulho do que o razoável. Quando nossas opiniões sobre assuntos para os quais a comunidade científica tem consensos claros são fundamentadas em crenças, estamos perigosamente próximos do obscurantismo.

A questão é que não dá pra ter diplomas de nutricionista, engenharia e ciências políticas para decidirmos sobre o pão, o carro e o presidente que iremos escolher. Será doxa, ela que vai operar. Mas isso não significa dizer que tenhamos que nos render a essa limitação.

Você não é engenheiro, mas na hora de comprar um carro, liga praquele amigo que é. Você não é nutricionista, mas quando for escolher o melhor pão, vai numa consulta ou leia uma revista especializada. Você não é cientista político, mas na hora de votar, se informe. Leia jornais, revistas, explore os diversos campos do pensamento e tenha cuidado, muito cuidado, com as já famosas fakenews.

Pra quem você empresta seus ouvidos?