No final dos anos 80 o rock nacional estava com tudo. Três bandas dominavam o cenário: Legião Urbana, Titãs e Paralamas do Sucesso. Fora o Ira!, Barão Vermelho de Cazuza, Raul Seixas, Rita Lee, algumas outras bandas de uma música só e alguma outra que eu tenha me esquecido. O sucesso era tão grande que tinha até rock na abertura de novelas e também no programa Globo de Ouro. Lá as bandas e cantores se apresentavam fazendo playback na cara dura. O rock foi a ferramenta para que eu saísse da infância e estreiasse na adolescência em grande estilo.
Uma das bandas que vez ou outra aparecia no Globo de Ouro chamava-se Engenheiros do Hawaii e eles sempre tocavam uma música melosa chamada "Somos quem podemos ser". Aquela música grudou em meu ouvido, mas sem um desdobramento maior. Até que um dia, provavelmente num sábado, estava com meus pais e meus irmãos no Shopping Itaigara, na loja Aky Discos, quando Norminho, meu irmão mais velho me sugeriu algo: pedir para que meu pai me comprasse uma fita cassete dos Engenheiros do Hawaii. Na verdade ele já tinha pedido uma pra ele e tentou emplacar através de mim a compra dessa fita que ele queria. Ele falou algo tipo "essa fita é daquela banda que toca aquela música no Globo de Ouro". Pedi e ganhei a fita.
Para azar de Norminho eu de fato tomei posse da fita. E para azar duplo dele, eu me apossei tanto da fita que a ouvia sem parar, 10 vezes ao dia. Ouvia e gostava de todas as músicas, não apenas de "Somos quem podemos ser". Passei a ser referência no colégio de fã dos Engenheiros do Hawaii.
Caso você tenha lido essa história até aqui, talvez esteja se perguntando por que esse fato é tão marcante para mim. Hoje, olhando ora trás, vejo claramente que essa fita foi um divisor de águas na formação da minha personalidade. Depois dessa fita permaneci por algum tempo "roqueiro de uma banda só", mas depois vieram outras bandas e cantores favoritos. Fica também o registro para que meus filhos, quando forem mais velhos consigam entender um pouco a cabeça meio avoada do pai deles.
Como esse blog tem um viés fortemente voltado à discussão de questões filosóficas, por que cargas d'água eu venho aqui contar essa historinha? Explico a seguir. Será que, se não fosse essa experiência, esse encontro com essas música e essas ideias, eu teria me tornado quem eu sou hoje? Para quem crê em ideias inatas, a resposta seria sim. Para quem não crê no inatismo das ideias, a resposta seria sim.
Afinal, a gente já nasce com as coisas na cabeça e com o passar do tempo as ideias vão se cristalizando, ou a gente vai assimilando e incorporando novas à caixola a partir de nossas experiências?
Enfim, vamos parar por aqui antes que alguém queira me internar. Vejam abaixo o clipe de "Somos quem podemos ser". Aliás, o título dessa música dá uma boa discussão filosófica. Somos múltiplas possibilidades, ou somos apenas aquilo que nossa natureza determina?